domingo, 28 de abril de 2019

Lula preso da entrevista

Leia a íntegra da primeira entrevista de Lula desde que foi preso

EL PAÍS e 'Folha de S.Paulo' entrevistaram em 26 de abril o ex-presidente na prisão, após autorização.

Leia a íntegra da entrevista concedida pelo ex-presidente Lula aos jornalistas Florestan Fernandes Júnior, do EL PAÍS, e Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, em 26 de abril. O encontro havia sido pedido pelos dois jornais há cerca de sete meses, mas, mesmo com a anuência do ex-presidente, só pôde ocorrer após decisão do Supremo Tribunal Federal. Antes de as perguntas começarem, Lula fez um pronunciamento, que pode ser lido no box ao lado. Estavam na sala, além dos jornalistas, os cinegrafistas Henry Milleo (EL PAÍS), Victor Parolin (Folha), os fotógrafos Isabela Lanave (EL PAÍS), Marlene Bergamo (Folha), Ricardo Stuckert (Lula), Carla Jiménez (diretora do EL PAÍS no Brasil), advogados Cristiano Zanin (PT) e Manuel Caetano (PT), Cezar Brito e Miriam Gonçalves (EL PAÍS), Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação de Lula, delegados Rubens e Mauricio Grillo, da Polícia Federal de Curitiba, Paulo Roberto da Silva, chefe da Comunicação da PF, além de três agentes de segurança.

Pergunta. A gente queria começar falando da prisão do senhor, que foi um dia histórico. O que passou pela cabeça do senhor quando estava sendo preso e sendo conduzido para a prisão?

Resposta. Durante todo o processo, eu não sei se cheguei a conversar com você, mas sempre tive certeza, desde que começaram os discursos e o processo da Lava Jato, de que tinha um objetivo central, que ia chegar em mim. Aliás, uma amiga nossa, jornalista importante, Tereza Cruvinel, escreveu um artigo importante em que ela falava: "o que eles querem na verdade é o Lula". Isso foi ficando patente em todos os depoimentos, vocês estão lembrados que a imprensa retratava: prenderam fulano, ah, vai chegar no Lula, prenderam fulano, ah, vai chegar no Lula. Prenderam fulano.. E muita gente que era presa, a primeira pergunta que faziam era: você conhece o Lula? Você é amigo do Lula? Você fez alguma coisa? Todo mundo. E eu sabia disso porque a imprensa retratava, as pessoas contavam, sabia disso porque advogado conversava com advogado. Foi ficando patético que o objetivo era chegar em mim. Tinha companheiros no PT que não gostavam quando eu dizia isso, sabe, eles vão chegar em mim e depois vão caminhar para criminalizar o PT. Pois bem, quando ficou claro que o objetivo central era efetivamente...Tinha muita gente que achava que eu deveria sair do Brasil, ir para uma embaixada, muita gente achava que eu deveria fugir. Eu tomei como decisão que meu lugar é aqui. Eu tenho tanta obsessão de desmascarar o Moro, desmascarar o Dallagnol e a sua turma e desmascarar aqueles que me condenaram, que eu ficarei preso cem anos, mas eu não trocarei a minha dignidade pela minha liberdade. Eu quero provar a farsa montada. Eu quero provar. Montada aqui dentro, no departamento de Justiça dos Estados Unidos, com depoimento de procuradores, com filme gravado, e agora mais agravado com a criação da fundação Criança Esperança do Dallagnol, pegando 2,5 bilhões de reais da Petrobras para criar uma fundação para ele. Fora 6,8 bilhões da Odebrecht e fora não sei quantas outras coisas. Eu tenho uma obsessão, você sabe que eu não tenho ódio, não guardo mágoa, porque, na minha idade, quando a gente fica com ódio a gente morre antes. Como eu quero viver até os 120 anos, porque acho que sou um ser humano que nasceu para ir até os 120, eu vou trabalhar muito para mostrar a minha inocência e a farsa que foi montada. Por isso eu vim para cá com muita tranquilidade. Havia uma briga no sindicato aquele dia entre os que queriam que eu viesse e os que não queriam. E eu tomei a decisão. Eu falei: eu vou, eu vou lá. Eu não vou esperar que eles venham até mim, eu vou até eles, porque eu quero ficar preso perto do Moro. O Moro saiu daqui. Mas eu quero ficar. Porque eu tenho que provar minha inocência.

P. Pode ser que o senhor fique aqui para sempre. Mesmo assim, o senhor acha que tomou a decisão correta?

R. Tomaria outra vez.

P. O senhor já pensou que pode ficar aqui para sempre?

Não tem problema. Eu tenho certeza que eu durmo todo dia com a minha consciência tranquila. Tenho certeza que o Dallagnol não dorme, que o Moro não dorme. E aqueles juízes do TRF4 que nem leram a sentença. Fizeram um acordo lá, era melhor que um só um tivesse lido e ter falado todo mundo aqui vota igual. Então eu quero, sinceramente. Quem tem 73 anos de idade, quem construiu a vida que eu construí neste país, quem estabeleceu as relações que eu estabeleci, quem fez o Governo que eu fiz nesse país, quem recuperou o orgulho e a auto estima do povo brasileiro como eu e vocês fizemos no meu período de Governo, não vou me entregar. Então eles sabem que tem aqui um pernambucano teimoso. Eu digo sempre, quem nasceu em Pernambuco e não morreu de fome até os cinco anos de idade, não se curva mais a nada. Você pensa que eu não gostaria de estar em casa? Eu adoraria estar em casa com a minha mulher, com o meus filhos, meus netos, com meus companheiros. Mas não faço nenhuma questão. Porque eu quero sair daqui com a cabeça erguida como eu entrei. Inocente. E eu só posso fazer isso se eu tiver coragem e lutar por isso.

P. Recentemente, o ministro Paulo Guedes disse que o senhor não cometeu nenhum crime, que não roubou. O ministro do Bolsonaro admitiu isso. Depois, o Marco Aurélio disse, recentemente, que não vê indícios de crime no triplex do Guarujá. E o Maurício Dieter, um dos maiores criminalistas, disse que não há crime material. O senhor acredita que com a devolução do dinheiro que foi pago pela sua esposa por esse triplex, você pode tentar conseguir sua absolvição, é possível isso? Você acredita nisso?

R. Por incrível que pareça, eu acredito. Sabe que nessas coisas eu continuo com a cabeça de Lulinha paz e amor. Eu acredito na construção de um mundo melhor, num mundo de Justiça. O que eu penso na vida? Penso que haverá um dia em que as pessoas que irão me julgar estarão preocupados com os autos do processo, com as provas contidas no processo, e não com a manchete do Jornal Nacional, com as capas das revistas, não com as mentiras do fake news. As pessoas se comportarão como juízes supremos de uma corte, que é a única coisa que a gente não pode recorrer. E que já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a questão Raposa Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que teve coragem e se comportou. Ora, no meu caso, a única coisa que eu quero é que vote com relação aos autos do processo. Eu não peço favor a ninguém, eu não quero favor de ninguém, eu não quero. Só quero, pelo amor de Deus, que as pessoas julguem, julguem em funções das provas. Eu tenho certeza, o Moro tem certeza. Se as pessoas não confessarem agora, no dia da extrema unção a gente vai confessar. Ele tem certeza que eu sou inocente. O Dallagnol ele tem certeza que é mentiroso. Eu tô aqui, meu caro, para procurar justiça, para provar a minha inocência, mas estou muito mais preocupado com o que está acontecendo com o povo brasileiro. Porque eu posso brigar, mas o povo nem sempre pode.

R. O senhor, durante esse um ano, passou por dois momentos de muita tristeza, que foi a morte do seu irmão e depois a morte do seu neto, Arthur. O que, para o senhor, depois de viver isso, o que fica da vida do senhor?

P. Olha Florestan, eu vou contar uma coisa para você. Esses dois momentos foram os mais graves. Eu poderia incluir a perda de um companheiro como o Sigmaringa Seixas, que foi meu companheiro de dezenas e dezenas de anos. E a morte do meu irmão Vavá, o Vavá é como se fosse um pai da família toda. E a morte do meu neto foi uma coisa que efetivamente não, não, não… [pausa e chora]. Eu às vezes penso que seria tão mais fácil que eu tivesse morrido. Porque eu já vivi 73 anos, eu poderia morrer e deixar meu neto viver. Mas não é. Não são apenas esses momentos que deixam a gente triste, sabe? Eu sou um homem que tenta ser alegre, tento trabalhar muito a questão do ódio, tento sabe, trabalho muito para vencer essa questão do ódio, essa mágoa profunda. Eu quando vejo essa gente que me condenou na televisão, sabendo que eles são mentirosos, sabendo que eles forjaram uma história, aquela história do power point do Dallagnol, aquilo nem o bisneto dele vai acreditar naquilo. Esse messianismo ignorante, sabe? Então eu tenho muitos momentos de tristeza aqui. Mas o que me mantém vivo, e é isso que eles têm que saber, eu tenho um compromisso com esse país, eu tenho um compromisso com esse povo. E eu to vendo o que e obsessão que está acontecendo agora, a obsessão de destruir a soberania nacional, a obsessão de destruir empregos, a obsessão de juntar um trilhão pra quê? Às custas dos aposentados? Se eles lessem alguma coisa, se eles conversassem, eles saberiam que esse cidadão aqui semianalfabeto, quarto ano primário, curso de torneiro mecânico, juntou trezentos e setenta bilhões de dólares de reserva que a 4 reais o dólar dá mais de um trilhão e duzentos sem causar nenhum prejuízo a nenhum brasileiro. Então, se eles querem juntar um trilhão tem uma fórmula secreta: coloque o povo no orçamento da União. Segundo, gere emprego. Terceiro: gere crédito pra pessoas. ‘Ah , mas o povo tá devendo? Tá.’ Tire o penduricalho da dívida do povo e ele paga apenas o principal no banco e você vai perceber que as pessoas voltam a poder comprar. Um país que não gera emprego, não gera salário, não gera renda, quer pegar dos aposentados, dos velhinhos, um trilhão? O Guedes precisava criar...

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